Da Arte de ensinar à arte de ser Artista
Por que estudar arte? A arte permite ampliação dos sentidos e um olhar diferenciado para o aparentemente ordinário. Neruda, por exemplo, escreveu um livro dedicado aos pequenos objetos do cotidiano, cuja importância termina por não ser notada, devido, talvez, à recorrência na rotina. Um exemplo é o poema “Cebola”. Segundo o poeta, uma rosa de água na mesa das gentes pobres. Também Van Gogh elevou o girassol a uma condição de signo artístico quando transposto para a pintura: significante e significado. A obra simplesmente é um todo em si mesma! Ouso dizer que os girassóis da natureza nunca mais foram os mesmos após Van Gogh.
Também na Arte conseguimos acessar o olhar do outro, acrescido de nossa experiência perceptiva na interpretação e fruição do ato estético de espectador.
Não por acaso Chico Buarque foi perseguido durante a ditadura militar e também não é difícil imaginar o motivo pelo qual a disciplina de Arte sempre é alvo de polêmicas. A verdadeira Arte faz pensar na existência humana, forma pensadores e não marionetes. A Arte pode libertar e isso é perigoso para um sistema que ainda está fundamentado em diferenças, hierarquia, dinheiro e poder. Conhecer exige persistência, criticidade e respeito pelos diferentes pontos de vista.
Também vale lembrar as palavras do professor Ordine, da Calábria: “um cheque em branco não compra conhecimento.” Ou seja, preceito completamente contrário ao nosso sistema capitalista, onde um precisa perder para que outro possa ganhar.
A Arte não compactua com falsos ideais.
Há alguma linguagem /poética na qual suas obras são calcadas?
Pergunta difícil. Tenho duas linhas de pesquisa, que convergem. Tento fazer com que caminhem pari passu. Uma delas direcionada ao ensino de Arte. Para uma artista e educadora os alunos são a matéria-prima da poética, sempre. Conviver com pessoas é uma oportunidade única de aprendizado e afetividades. Gosto de desenvolver atividades que realmente sejam significativas, nesse sentido. Penso que o ensino é uma eterna construção de uma obra de Arte. Ainda mais importante que a famosa Mona Lisa, que Leonardo da Vinci carregou nas costas pela vida afora, aperfeiçoando sempre. Espero carregar bem minha Mona Lisa e aperfeiçoá-la a cada dia.
Artistas e educadores são uma espécie de profetas de um futuro que pode ser diferente do óbvio. Assim, vejo minha carreira docente como uma poética que é construída coletivamente. Sempre envolvo alunos e professores de cursos de extensão em minhas pesquisas, como partícipes e autores, no intuito de desenvolver atividades artísticas e obras.
Outra linha de pesquisa é individual e, confesso, um tanto egoísta. (risos) Mas não me importo em ensinar a quem queira.
Fiz parte de dois ateliês medievais e desenvolvo ícones, mosaicos, miniaturas e caligrafia gótica sobre pergaminho, fazendo uso da têmpera. Muitas vezes tentei deixar de lado algumas técnicas e tradições que me são caras, mas desisti, após o conselho de um professor querido, da época da graduação, grande mestre Tuneu. Ele me disse que é preciso assumir de toda alma nossa identidade e estilo e ir até a exaustão nisso para depois, quem sabe, encontrar novos caminhos.
Assim, ou sou lerda demais e continuo produzindo os mesmos estilos após quase 15 anos (o que é pouco para um artista) ou então este é o meu caminho e estou feliz com ele. Há alguma série de obras em andamento ? Ou projetos para futuras criações ? Para não parecer retrógrada demais, vou contar um segredo... na verdade, depois de concluir meu pós-doutorado, no qual trabalhei os temas ‘memória e fotografia’, estou desenvolvendo uma série de cadernos de artista e instalações acerca de um tema inédito (risos): o amor.
Na juventude passei algum tempo em um convento. Foi um período de grande aprendizado. Assim, estou retomando os estudos da vida de Santo Agostinho, a partir obras que chegaram até nós, escritas por este, tais como: De magistro, Confessiones e Cidade de Deus. Interessante observar como Agostinho viveu uma tensão extrema com relação ao amor sagrado e o definido por ele como profano. Observando nosso século XXI, vejo que Agostinho foi um homem “avant la lettre”, à frente do seu tempo, que não apenas estudou, mas viveu grandes contradições internas e paradoxos.
Também tenho gestando um sonho de trabalhar com os alunos cadernos de artista, seguindo algumas biografias mnemônicas de gerações.
À parte disso, desenvolvo uma série de pinturas de pássaros, pintada à óleo e minhas eternas árvores de mosaicos.
Defina o curso de artes visuais da FCAD -ceunsp , em uma palavra. Em uma palavra? Deve estar brincando! Não sou o tipo de pessoa que tem como qualidade capacidade de síntese. Uma palavra! Cheguei agora na FCAD. Posso dizer que muitas vezes me emocionei com a acolhida dos funcionários e professores e circunstâncias vividas em sala. Em menos de um semestre meu espólio de obras de alunos cresceu consideravelmente e também meu diário, onde guardo alguns bilhetes recebidos em aula.
Emociona ver pessoas que trabalham o dia todo e encontram energia para a busca do conhecimento num período noturno, muitas vezes deixando a família em casa. Percebo que, apesar do cotidiano contemporâneo, nosso potenciais artistas estão procurando um espaço, uma brecha no tempo, para que deixem uma marca autêntica, singular e estética para o outro.
A palavra que me pede talvez seja diversidade. As turmas são muito heterogêneas e penso que este pode ser um elemento precioso, pois num ambiente assim é possível aprender sobre respeito, tempo de cada um, capacidades e habilidades. Estar imbuído de ânima em um território como este gera grandes belezas, verdadeiro amplexo de sensibilidades.
Sempre digo aos meninos que espero encontrá-los na Bienal de Veneza ou no MoMa, em breve. É preciso ter grandes sonhos e ousadias!
Minhas pinturas:
Meus mosaicos:
Meus pássaros:
Atividade em arte e educação: